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A RESPONSABILIDADE CIVIL NA RELAÇÃO OPERADORA DE SAÚDE -PROFISSIONAL - PACIENTE

A RESPONSABILIDADE CIVIL NA RELAÇÃO OPERADORA DE SAÚDE -PROFISSIONAL - PACIENTE
denise bolten lucion loreto
Aug. 6 - 16 min read
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O segmento de  saúde suplementar vem em crescimento constante ao longo dos anos no Brasil. Quando foi editada a Lei nº 9.656/98, dispondo sobre os Planos Privados de Assistência à Saúde, o seu foco principal eram os planos médico-hospitalares e os seus dispositivos foram direcionados a este segmento. No entanto, os planos odontológicos têm especificidades que não foram contempladas nesta regulamentação e acabou surgindo a necessidade de aprofundar os conhecimentos do funcionamento deste mercado.

Até a década de 80, a Odontologia no Brasil era uma atividade essencialmente privada, onde somente uma pequena parcela da população de maior poder aquisitivo tinha acesso à assistência odontológica. A partir da década de 90, com o aumento no número de faculdades de Odontologia pelo país, a situação começa a se alterar. Centenas de novos profissionais começaram a entrar no mercado de trabalho, mas a população com renda superior a nove salários mínimos, que era a maior consumidora de serviços odontológicos privados, não cresceu na mesma proporção de profissionais disponíveis. Isto levou a uma grande ociosidade nos consultórios odontológicos, a despeito de uma parcela considerável da população, de menor renda, se apresentar carente deste tipo de atendimento.

As mudanças na profissão odontológica se refletiram no aumento da oferta de planos de saúde  exclusivamente odontológicos, pois em um cenário com excesso de profissionais de boa formação técnica colocados no reduzido mercado consumidor da assistência odontológica privada, as operadoras destes planos vislumbraram boas oportunidades de inserção e crescimento. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no período de maio/2019 havia 24.394.496 de beneficiários de planos de saúde exclusivamente odontológicos no país e, no período de maio/2020, este número se elevou para 25.373.475, ou seja, houve um aumento de 978.979, comparando-se os dois períodos. Ao se olhar para os números dos beneficiários de planos de assistência médica, no período de maio/2019 temos 46.953.877 beneficiários, caindo para 46.829.760 em maio/2020, portanto, 124.117 beneficiários a menos, comparando-se os dois períodos.

Os planos de assistência médica são em maior número, portanto, com um maior número de beneficiários e, apesar de, em determinados períodos, apresentarem eventual  queda nos beneficiários como verificado na comparação de maio de 2019/2020 o seu crescimento vem se mantendo constante ao longo dos anos. Por outro lado, se analisarmos os dados disponibilizados pela ANS referentes aos números dos beneficiários de planos exclusivamente odontológicos verificamos que, na última década, houve uma elevação de 75% nesta modalidade. Se retrocedermos um pouco mais no tempo, até o ano de 2007 quando havia pouco mais de 8.000.000 de beneficiários, o crescimento dos planos exclusivamente odontológicos se mostra ainda mais expressivo, pois hoje alcança 25.000.000 de pessoas.

A relação profissional-paciente na Odontologia também passou por  profundas alterações desde o final da década de 80 com a promulgação da nova Constituição, do Código de Defesa do Consumidor e das mudanças sociais surgidas. O vínculo estabelecido durante o atendimento odontológico mudou, passando de uma relação de proximidade e familiaridade para uma relação mais impessoal e contratualista. O aumento de operadoras de saúde na área odontológica se somou a estas mudanças, pois introduziu um novo componente na relação profissional-paciente.

A operadora de um plano de saúde, ao firmar convênio com um profissional deixa claro que a responsabilidade sobre o atendimento do paciente é única e exclusiva do cirurgião-dentista e, a partir da assinatura do contrato, os atos do profissional são regidos pela legislação vigente. O profissional precisa ficar ciente que a sua atuação começa desde o planejamento e a orientação do paciente, quando se deve esclarecer o paciente dos propósitos, riscos, custos e alternativas do tratamento, do contrário estará infringindo o Código de Ética Odontológica, art. 7º, inciso IV, constitui infração ética deixar de esclarecer adequadamente os propósitos, riscos, custos e alternativas de tratamento, além do Código de Defesa do Consumidor, art. 6, inciso III, São direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Assim, se o paciente se sentir lesado pelo tratamento recebido pelo profissional conveniado ele pode acionar judicialmente o profissional e a operadora, em busca de uma indenização.

Uma ação nestes moldes, envolvendo paciente – profissional - operadora foi recentemente julgada em segunda instância e o processo desde o seu início teve algumas particularidades que evidenciam os vários aspectos jurídicos envolvidos nesta relação. A paciente afirmara que realizou um tratamento com o dentista conveniado, em sistema de livre escolha do profissional, mas as próteses feitas pelo demandado restaram prejudicadas, porque o tratamento foi equivocado e o material utilizado não conferia com o contratado.  Inclusive, referiu que a  perícia administrativa feita pela operadora constatou as falhas nos procedimentos e a operadora devolveu a ela os valores correspondentes às próteses pagos, pois esta trabalhava com uma tabela própria de participação do conveniado em alguns procedimentos. A operadora arguiu a sua ilegitimidade passiva e salientou a ausência de responsabilidade, afirmando que, após constatadas as falhas no serviço prestado pelo médico conveniado, efetuou a devolução dos valores pagos pela autora a título de participação. O corréu apresentou contestação, afirmando que a autora não compareceu ao consultório para as manutenções periódicas e que a perícia realizada pela operadora foi feita dois anos após a conclusão dos tratamentos. Na audiência de instrução,  o juiz inverteu o ônus da prova e determinou a realização de perícia judicial. O laudo pericial concluiu pelo nexo causal entre as queixas da autora e o tratamento dispensado pelo dentista, apontando, entre outros aspectos, ausência de prontuário odontológico e de plano de tratamento. Foi indeferido o pedido de quesitos suplementares formulados pelo dentista. O magistrado acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da operadora, considerando não possuir o plano de saúde responsabilidade tão-somente pela indicação de profissional liberal constante em seu quadro de médicos. Verifica-se que a opção pelo profissional coube à própria paciente, inexistindo qualquer interferência por parte do plano de saúde quanto à escolha do requerente, bem como em relação à técnica de tratamento utilizada pelo dentista. Apresentou jurisprudência. Acabou por concluir que

Não obstante, o que resta evidenciado, no caso dos autos, é a quebra do dever de informação para com a parte autora, aliada à omissão referente ao devido acompanhamento terapêutico por parte do profissional réu, culminando, também, no rompimento da confiança da paciente para com o profissional, restando, assim, atestada a falha no serviço prestado decorrente da negligência do profissional no atendimento da paciente.

A ação foi julgada parcialmente procedente, com fundamento no art. 487, I, do NCPC, condenando o réu (dentista) ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), corrigidos pelo IGP-M da sentença e juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da citação. O dano material postulado não foi reconhecido por falta de comprovação pela demandante.

A autora e o dentista recorrem da sentença, ambos arguindo a legitimidade passiva da operadora. O dentista apelava pela anulação da perícia por cerceamento de defesa e determinação de nova prova técnica. A autora requeria, ainda, o reconhecimento da indenização por danos materiais e estéticos. Os desembargadores reexaminaram o processo e proferiram extensa ementa:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO EM TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. CONFIGURAÇÃO DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. QUANTUM INDENIZATÓRIO DOS DANOS MORAIS MAJORADO. DANO ESTÉTICO NÃO CONFIGURADO E PREJUÍZOS MATERIAIS INCOMPROVADOS. DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA.

1. Nulidade processual por cerceamento de defesa. Não ocorrência. 1.1. Por força do princípio da persuasão racional, cabe ao juiz apreciar livremente as provas produzidas no processo, desde que decline os motivos que lhe formaram o convencimento. 1.2. Nesse contexto, a realização de nova perícia judicial ou a complementação daquela já produzida – como quaisquer outras medidas reputadas oportunas ou necessárias ao deslinde da controvérsia – são faculdades que decorrem dos poderes de instrução do magistrado. Assim, não está o julgador obrigado a renovar atos probatórios ou proceder à complementação daqueles já realizados quando tais providências não lhe parecerem necessárias ao desate da lide. 1.3. Caso concreto em que dispensáveis a complementação da perícia ou a nomeação de um segundo perito para atuar no feito, visto que já emitido laudo suficientemente esclarecedor para o magistrado que decidiu a causa. Inexistência, outrossim, de deficiências e equívocos interpretativos que determinem, por si só, a necessidade de renovação do estudo pericial, cuja realização foi regularmente precedida de análise técnica objetiva, inteligível e suficientemente elucidativa a respeito de dados clínicos e pessoais relacionados ao tratamento judicialmente controvertido. Ademais, a simples insatisfação com as conclusões do experto não justifica, por si só, a necessidade de reabertura da instrução processual. Prefacial rejeitada.

2. Legitimidade da operadora de plano de saúde. A pessoa jurídica que empreende no ramo da saúde – beneficiando-se, pois, dos distintos lucros advindos dessa atividade – obriga-se a prestar aos usuários de seus serviços a assistência solicitada por intermédio de profissionais por ela indicados, circunstância que a torna consequentemente responsável pela qualidade dos serviços realizados por seus credenciados. Logo, em caso de superveniência de danos a pacientes por falha de um profissional referenciado, é a operadora parte legítima para ocupar o polo passivo de ação voltada à reparação dos prejuízos sofridos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Legitimidade reconhecida.

3. Responsabilidade civil do profissional de odontologia. 3.1. Em procedimentos não estéticos, os cirurgiões-dentistas e odontólogos em geral – enquanto pessoas naturais prestadoras de serviços – assumem obrigação de meio. Trata-se de responsabilidade na modalidade subjetiva, impondo-se a demonstração de culpa lato sensu (dolo ou culpa profissional por imprudência, negligência ou imperícia). Inteligência dos artigos 927 e 951 do Código Civil, bem como do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. 3.2. Caso concreto em que ficou suficientemente demonstrada a ocorrência de falhas no serviço odontológico prestado à parte requerente. De um lado, evidenciaram-se defeitos nas próteses dentárias colocadas (que se desprendiam constantemente das arcadas da autora, ocasionando-lhe frequente incômodo e inúmeros transtornos) e, de outro, observou-se injustificada infringência ao dever profissional de fornecimento de informação prévia e adequada a propósito dos riscos inerentes ao tratamento executado. Logo, por restar configurada a prestação defeituosa de serviço gerador de dano por culpa profissional do réu, mostra-se cabível a reparação civil inicialmente postulada.

4. Quantificação dos danos morais. A indenização por danos morais busca reparar o sofrimento da autora ao experimentar constante constrangimento decorrente da má aplicação de próteses em suas arcadas dentárias (tendo em vista a incessante queda de dentes por frouxidão do material implantado), situação que, além de ter implicado ofensa transitória à própria imagem, causou-lhe inúmeros transtornos e momentos socialmente desagradáveis até o refazimento do tratamento com outro profissional. Montante reparatório que, além da finalidade pedagógico-punitiva, tem função reparadora e deve levar em conta os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Na espécie, observa-se o método bifásico para o arbitramento do dano moral, conforme jurisprudência consagrada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Assim, na primeira etapa, entende-se como adequada a fixação do valor básico da indenização em dez mil reais, uma vez que induvidosamente violados direitos personalíssimos da autora após o comprometimento provisório da estética de seu sorriso, notadamente a sua dignidade, imagem e honra. Na segunda etapa, porém, tomam-se em consideração as peculiaridades do caso concreto – especialmente as situações vexaminosas vivenciadas pela autora até que fossem corrigidos os problemas de seus dentes com outro profissional –, reputando-se adequada a elevação da importância indenizatória para doze mil reais. Porém, é preciso ter presente, igualmente, que a própria paciente contribuiu, em certa medida, para o agravamento de sua situação odontológica ao colar – por si mesma e por intermédio de terceiro não habilitado (protético) – elementos específicos das próteses implantadas. Além disso, sobreveio, durante a instrução, evidência de que a requerente não retornou ao consultório para realizar determinadas revisões periódicas consideradas imprescindíveis à regular manutenção do tratamento e consequente obtenção dos resultados dele esperados. Destarte, considerando a concorrência de culpas entre os litigantes, minora-se a importância em dois mil reais, com o perfazimento do montante final de dez mil reais devidos a título de danos morais.

5. Danos materiais. Caso em que os valores diretamente cobrados da paciente se referem a implante dentário realizado em sua arcada inferior esquerda, não tendo relação alguma com o tratamento reabilitador que restou coberto por seu plano e que se efetivou por meio das próteses geradoras de todos os problemas por si experimentados. Além disso, não há prova qualquer de que a demandante tenha, de fato, desembolsado valores para a conclusão de um segundo tratamento com odontologista diverso (já que se limitou a acostar meros orçamentos aos autos, o que, por si só, não induz prova de pagamento). Enfim, por não lograr comprovar, com robustez e precisão, os prejuízos materiais efetivamente resultantes do serviço odontológico defeituosamente recebido, a paciente não faz jus à percepção de importância indenizatória correspondente a danos patrimoniais.

6. Dano estético. A configuração do dano estético pressupõe, entre outros requisitos, que a alteração morfológica geradora de desgosto ou complexo de inferioridade seja de caráter permanente ou duradouro na aparência externa do ofendido. Caso em que a requerente deixou de apresentar sequelas indelevelmente modificativas do aspecto externo de sua dentição após iniciar novo tratamento com outro odontólogo. Ou seja, sofreu a autora, a rigor, com uma ofensa estética de cunho transitório – não perdurante por mais de três anos, ao que tudo indica –, a qual não produz mais efeitos indesejados na harmonia do seu sorriso por ter sido oportunamente corrigida. Assim, mostra-se descabida, na espécie, a reparação civil por dano estético em razão da ausência de uma alteração física com efeitos permanentes ou prolongados no tempo.

PRELIMINAR AFASTADA.

APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.

Portanto, no caso apresentado, mesmo a operadora de saúde tendo realizado uma perícia administrativa nas próteses confeccionadas pelo conveniado, detectado as intercorrências no tratamento e devolvido à paciente o valor pago  como participação no convênio, esta atitude não a eximiu de ser  reintegrada no pólo passivo da demanda arcando, solidariamente, com o pagamento majorado para R$ 10.000,00 dos danos morais, mas tendo assegurado o direito a ação de regresso contra o profissional conveniado.

 

Referências:

Silva, Ricardo Henrique Alves da. Orientação profissional para cirurgião-dentista: ética e legislação. São Paulo: Santos, 2015

www.ans.gov.br

Apelação Cível  Nona Câmara Cível Nº 70080319643 (Nº CNJ: 0003873-37.2019.8.21.7000) 27/03/2019

REsp 309.760/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2001, DJ 18/03/2002, p. 257).

 

 

 


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