Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
loading
BACK

O DIREITO INTERNACIONAL NO DIREITO BRASILEIRO À SAÚDE

O DIREITO INTERNACIONAL NO DIREITO BRASILEIRO À SAÚDE
Heber Pressuto
Apr. 14 - 47 min read
000

Esse foi um artigo elaborado como TCC de especialização em Direito Médico.

 

-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-

RESUMO: Diariamente, na busca pela garantia e aplicação dos direitos individuais à saúde, são negligenciados os Tratados e Convenções internacionais. Considerando a realidade global, na qual o direito internacional, no último século, ganhou espantosas proporções, vê-se a necessidade de se conhecer as normas internacionais vigentes afetas ao Direito à Saúde. Este artigo, portanto, tem por objetivo introduzir ao tema e reunir os vários dispositivos esparsos nas normas internacionais que foram internalizadas pelo Brasil.

 

Palavras-chave: Direito internacional. Direito médico. Direito à saúde.

 

1. INTRODUÇÃO

 

O Direito à Saúde no Brasil teve significativa evolução na última metade do século passado, sendo evento de especial importância a sua consolidação como norma constitucional, o que ocorreu quando promulgada a Constituição Federal de 1988, que prevalece até hoje.

No mesmo século, as relações internacionais, e o próprio direito internacional público, sofreram mudanças drásticas, consequência das duas grandes guerras e da Guerra Fria. Foi naquele período que floresceram a Liga das Nações, fruto do Tratado de Versalhes, e, posteriormente, a Organização das Nações Unidas - ONU, criada na Conferência de São Francisco.

O Brasil foi um dos países que optaram pela participação nestas comunidades internacionais, e, também, pela celebração de tratados. O país figura, inclusive, como membro fundador da ONU. Dentre os mais conhecidos tratados internacionais celebrados, tem-se o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanas ou degradantes (1984) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) – Pacto de San José da Costa Rica.

Não seria demais presumir que o direito internacional influenciou diretamente sobre o Direito à Saúde (ou Direito Médico) brasileiro. E, ainda, é certo que o Brasil internalizou várias normas pertinentes a esta seara do Direito. Contudo, em sua maioria, são dispositivos dispersos entre os vários tratados celebrados e ratificados, de forma que podem, por vezes, passarem desapercebidos em querelas judiciais.

Considerando estas informações, percebeu-se a necessidade e conveniência de se realizar um apanhado dos dispositivos legais que porventura exerceram influência para que o Direito à Saúde brasileiro alcançasse a presente forma e, principalmente, os artigos pertinentes presentes em tratados internacionais celebrados e ratificados pelo Brasil.

 

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

 

São muitas as transformações ocorridas no direito à saúde brasileiro, de forma que não se pretende aqui esgotar o tema, mas tão somente apontar alguns dos vários eventos importantes, que influenciaram diretamente a atual estruturação das normas vigentes.

Marco importante foi quando Oswaldo Cruz assumiu a diretoria geral de saúde pública, em 1903, e no ano seguinte propôs um código sanitário. Tatiana Wargas de Faria Batista aponta as consequências deste feito:

 

O código sanitário foi considerado por alguns como um “código de torturas” dada a extrema rigidez das ações propostas. A polícia sanitária tinha, entre outras funções, a tarefa de identificar doentes e submetê-los à quarentena e ao tratamento. Se a pessoa identificada como doente não tivesse recurso próprio para se isolar em fazendas distantes e pagar médicos próprios, era enviada aos hospitais gerais – conhecidos no período como matadouros – ou simplesmente isolada do convívio social, sem qualquer tratamento específico, o que significava a sentença de morte para a grande maioria, uma prática que causou revolta e pânico na população. O isolamento dos doentes e o tratamento oferecido nos hospitais eram o maior temor do período. Além disso, a ignorância da população sobre o mecanismo de atuação da vacina no organismo humano associada ao medo de se tornar objeto de experimentação pelos cientistas e atender interesses políticos dos governantes fez com que surgissem reações de grupos organizados (Costa, 1985).

Em contrapartida, com as ações de Oswaldo Cruz conseguiu-se avançar bastante no controle e combate de algumas doenças, possibilitando também o conhecimento acerca das mesmas. Em 1907, a febre amarela e outras doenças já tinham sido erradicadas da cidade do Rio de Janeiro e Belém. Outros cientistas, como Emílio Ribas, Carlos Chagas, Clementino Fraga, Belisário Penna, estiveram, juntos com Oswaldo Cruz, engajados na definição de ações de saúde pública e na realização de pesquisas, atuando em outros estados e cidades do país. (MATTA, 2007, p. 33-34)

 

Não obstante as ações citadas, a realidade é que, até a década de 1930, a saúde pública era tutelada pelo direito pátrio de forma desconcentrada, inexistindo ainda “organização institucional” que fosse diretamente responsável pela questão. Na sequência sobreveio período de intensas mudanças, com criação e extinção de uma variedade de órgãos afetos às questões sanitárias, quando, por fim, em 1991 foi criada a Fundação Nacional da Saúde – FUNASA, como atesta o Ministério da Saúde (2017).

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, antes disso, foi no ano de 1948 a criação do primeiro Conselho de Saúde, “considerado por William Wech o marco inicial da Saúde Pública moderna. A saúde do povo era integralmente reconhecida como importante função administrativa de governo” (2017).

No mesmo ano entrou em vigor, especificamente em 07 de abril, a Constituição da Organização Mundial da Saúde – OMS (no inglês, WHO). Sobre a OMS, e a participação do Brasil, há exposição concisa e bastante, feita pelo Ministério das Relações Exteriores:

 

O Brasil é membro fundador da Organização Mundial da Saúde (OMS), agência especializada das Nações Unidas em Saúde. A sede da OMS é em Genebra, Suíça. A OMS possui, igualmente, 6 escritórios regionais e cerca de 150 escritórios nacionais. A Organização Pan-Americana da Saúde, fundada em 1902, é a agência especializada de saúde da Organização dos Estados Americanos e funciona, também, como Escritório Regional para as Américas da OMS.

 

Importa frisar que, com o advento da Constituição da OMS, concretizou-se, através de seu preâmbulo, um novo conceito de saúde, que deixou de ser a simples inexistência de doença ou enfermidade para ser considerada “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”.

Foi também em 1948 que foi aprovada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro daquele ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações”. No Artigo 25 da Declaração estão presentes ideais diretamente relacionados ao Direito à Saúde, como a saúde da família, os cuidados médicos e assistência especial na maternidade e infância:

 

Artigo 25.

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

 

A partir da década de 1950, no Brasil, o modelo de saúde passa a ser construído com base em grandes hospitais e em um aumento da especialização da saúde. Estes são fatos que seguiam “tendência mundial, fruto do conhecimento obtido pela ciência médica no pós-guerra” (MATTA, 2007, p. 38).

Foi referência, na época, “a criação do Ministério da Saúde em 1953, atribuindo um papel político específico para a saúde no contexto do Estado brasileiro”, bem como “a reorganização dos serviços nacionais de controle das endemias rurais no Departamento Nacional de Endemias Rurais (Deneru) em 1956”. Ainda que existente uma política de saúde pública universal – para todas as pessoas, não era integral – que objetivasse o tratamento de qualquer doença, de forma que esta tinha “ênfase na prevenção das doenças transmissíveis”, enquanto que a assistência curativa só era garantida por àqueles que contribuíssem para as previdências (MATTA, 2007, p. 40).

Na sequência, o país foi revolvido pelo período da Ditadura Militar, que se iniciou em 31 de março de 1964, com o afastamento do Presidente da República, João Goulart, e teve como marco final a eleição de Tancredo Neves em 1985.

 

Desde a década de 1960, ocorreu intensa publicação de normas para acompanhar o aumento da produção e consumo de bens e serviços, surgindo conceitos e concepções de controle. Regulamentou-se a iodação do sal, águas de consumo humano e serviços. Reformou-se o laboratório de análises, surgindo o Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS), que recebeu um grande estímulo pela implantação do Programa Nacional de Imunização, cuja execução requeria o controle sanitário de vacinas.

No movimento pela redemocratização do país, cresceram os ideais pela reforma da sociedade brasileira, com o envolvimento de diversos atores sociais, sujeitos coletivos e pessoas de destaque. Sanitaristas ocuparam postos importantes no aparelho de estado. A democratização na saúde fortaleceu-se no movimento pela Reforma Sanitária, avançando e organizando suas propostas na VIII Conferência Nacional de Saúde, de 1986, que conferiu as bases para a criação do Sistema Único de Saúde. (Ministério da Saúde, 2017)

 

Segundo informações da Fundação Oswaldo Cruz, vinculada ao Ministério da Saúde, o citado Movimento pela Reforma Sanitária, que se refere “ao conjunto de ideias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde”, principiou na década de 1970, permeando período em que a luta contra a Ditadura esteve aflorada. No mesmo texto da Fundação, lê-se:

 

Grupos de médicos e outros profissionais preocupados com a saúde pública desenvolveram teses e integraram discussões políticas. Este processo teve como marco institucional a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Entre os políticos que se dedicaram a esta luta está o sanitarista Sergio Arouca.

As propostas da Reforma Sanitária resultaram, finalmente, na universalidade do direito à saúde, oficializado com a Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Embora o texto afirme que só então foi alcançada a universalidade do direito à saúde, é importante destacar que alguns autores entendem que a universalidade desse direito já era garantida (MATTA, 2007, p. 40), sendo que a maior mudança diria respeito à integralidade.

Mesmo com todos os problemas do SUS, vivenciados diariamente pelos clientes pacientes, que recorrentemente manifestam descontentamento, é inegável que este se tornou um exemplo para o mundo. No Guia de Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2014 pelo SINUS (Simulação das Nações Unidas para Secundaristas), são apontados os pontos de excelência do Sistema, e seu reconhecimento na comunidade internacional.

 

Com relação ao sistema de saúde do Brasil, destaca-se o Sistema Único de Saúde (SUS), que garante assistência integral e completamente gratuita para a totalidade da população, inclusive aos pacientes portadores do HIV, sintomáticos ou não, aos pacientes renais crônicos e aos pacientes com câncer (SOUZA, 2002).

Segundo a ONU, o Brasil é hoje referência internacional na área de saúde pública e exemplo para outros países que buscam sistemas mais igualitários de saúde. Com a criação do SUS, o Brasil foi um dos primeiros e poucos países fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a prever na legislação o acesso universal aos serviços de saúde, reconhecendo a saúde como direito do cidadão e dever do Estado (ONUBR, 2013).

 

A Constituição de 1988 foi fruto do neoconstitucionalismo, movimento que ganhou força na Europa, inspirado na experiência dos Estados Unidos da América, ao fim da década de 1940, no qual às constituições foi atribuído força jurídica suprema. A Constituição Brasileira surgiu “num contexto de busca pela defesa e pela realização dos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade, nas mais diferentes áreas”. (CARLUCCI, 2018)

Dentre as “mais diferentes áreas” estava o Direito à Saúde, sendo que a “Constituição Cidadã” atribuiu competência comum à União, aos Estados e Distrito Federal, e aos Municípios, no dever de cuidar da saúde (art. 23). Não só isso, o Direito à Saúde e ganhou status de Direito Social (art. 6º), e uma seção específica a ele dedicado: no Título VIII, Capítulo II, a Seção II, que vai do art. 196 ao art. 200.

Em 1990 foi aprovada pelo Congresso e ratificada pelo Governo a Convenção sobre os Direitos da Criança, que em seu artigo terceiro estabelece como dever dos Estados Partes certificar que “as instituições, os serviços e os estabelecimentos” cujo objetivo seja o cuidado da criança “cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças”.

Mais recentemente, em 2007, passou a vigorar o Regulamento Sanitário Internacional, que representou “um marco para a Saúde Pública Internacional”, tendo sido ratificado pelo Congresso Nacional em 2009, através do Decreto Legislativo 395/09, com foco em combater “a propagação internacional de doenças” (ANVISA, 2009).

Todo este percurso, como demonstrado, foi percorrido com fortes influências da comunidade internacional. Atualmente, o Direito à Saúde no Brasil não é balizado apenas pelas normas elaboradas pelo seu Legislativo, mas há, também, uma diversidade de dispositivos esparsos entre os vários tratados internacionais assinados e ratificados pelo país, muitas vezes negligenciados pelos operadores do direito.

 

3. O DIREITO À SAÚDE COMO UM DOS DIREITOS HUMANOS

 

Para evitar contratempos, importa que seja superada a celeuma referente aos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. Neste artigo, que não tem por objetivo debater as terminologias, tomar-se-á o caminho já preparado por Marcos Leite Garcia (2008), que aponta:

 

[...] há um consenso geral existente entre alguns tratadistas da Teoria dos Direitos Fundamentais que consideram ambos os termos sinônimos ou utilizam o termo direitos humanos para fazerem referência aos direitos positivados nas declarações e convenções internacionais e os direitos fundamentais para aqueles direitos que aparecem positivados ou garantidos no ordenamento jurídico interno de um Estado, sendo que de entre eles estão Perez Lunõ, Barranco, Sarlet entre outros.

 

Aqui, serão tratados os termos como sinônimos.

O conceito de direitos humanos teve destaque com a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776, que garantia direitos referentes à igualdade e à liberdade das pessoas, que seriam naturais a toda pessoa, tendo por requisito a simples condição de ser humana:

 

É importante assinalar que os dois primeiros parágrafos da Declaração de Virgínia expressam com nitidez os fundamentos do regime democrático: o reconhecimento de “direitos inatos” de toda pessoa humana, os quais não podem ser alienados ou suprimidos por uma decisão política (parágrafo 1), e o princípio de que todo poder emana do povo, sendo os governantes a este subordinados. (COMPARATO, 2003, p. 112)

 

A classificação dos direitos humanos foi elaborada e difundida primeiramente por Karel Vasak em 1979, segundo o qual haveriam três gerações de direitos humanos.

A primeira geração contém os direitos referentes à liberdade do indivíduo, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. A segunda geração abarca os direitos sociais, “direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros que demandam prestações positivas do Estado”, denominados “direitos de igualdade”. Por fim, a terceira geração trata dos denominados “direitos de solidariedade”, que não consideram o indivíduo, mas sim o coletivo (MIGUEL, Amadeu Elves).

Não restam dúvidas, portanto, quanto à posição do Direito à Saúde como um direito humano, fundamental, abrangido na segunda geração, o que inclusive encontra reforço expresso na Constituição Federal, no artigo 6º.

 

4. A POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORNAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Não obstante a sabida existência de normas internacionais afetas ao Direito à Saúde, é indispensável conhecer a forma como estas podem ser aplicadas junto ao direito pátrio, pelos Tribunais.

É questão recorrente, na doutrina, a discussão sobre qual seria o posicionamento hierárquico das normas de Direito Internacional perante os ordenamentos jurídicos de determinado Estado.

Embora alguns países tragam em suas constituições a condição das normas internacionais, se terão primazia ou não sobre o direito interno, outros são omissos quanto a isto. Era o caso da Constituição Federal do Brasil, de 1988, que, em seu texto original, não trazia previsão alguma quanto ao posicionamento hierárquico dos tratados internacionais aprovados e ratificados (SOARES, 2011).

Havia apenas menção de que os direitos e garantias nela expressos não excluiriam “outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (Constituição Federal, art. 5º, § 2º).

Não foram pequenas as contradições enfrentadas na doutrina e na jurisprudência, em razão da omissão da Carta Magna. Em busca de superar esta questão, o Legislador aprovou, em 2004, a Emenda Constitucional nº 45, que acrescentou ao art. 5º, entre outros, o § 3º, que estabeleceu a posição dos tratados e convenções internacionais, porém, exclusivamente os sobre direitos humanos, que, “aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Embora a Emenda tenha solucionado parte do problema, deixou em aberto alguns pontos, que já foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, como bem explica Carina de Oliveira Soares (2011):

 

Antes da emenda 45/2004 os tratados internacionais de direitos humanos eram aprovados por meio de decreto legislativo, por maioria simples, conforme artigo 49, inciso I da Constituição de 1988 e, posteriormente, eram ratificados pelo Presidente da República. Tal forma de recepção dos tratados, idêntica à forma de recepção dos tratados que não versam sobre direitos humanos, gerou diversas controvérsias sobre a aparente hierarquia infraconstitucional, ou seja, nível de normas ordinárias dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro.

Com o advento da emenda 45/2004 os tratados sobre direitos humanos passariam a ser equivalentes às emendas constitucionais. Todavia, as dúvidas e discussões não cessaram: apenas os tratados aprovados conforme o rito das emendas constitucionais teriam valor hierárquico de norma constitucional e aqueles que não obtivessem o quórum qualificado passariam a ter o valor de norma infraconstitucional? O que aconteceria com os tratados ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da emenda 45 – perderiam o status de normas constitucionais que aparentemente era garantido pelo parágrafo 2º do artigo 5o da CF no caso de não serem aprovados pelo quórum o parágrafo 3º do artigo 5o?

Para os autores que defendem que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuem hierarquia constitucional, estes tratados já possuem status de norma constitucional, nos termos art. 5o, parágrafo 2o da CF; sendo assim, independentemente de serem posteriormente aprovados pela maioria qualificada do parágrafo 3o do art. 5o da CF, os tratados já são materialmente constitucionais.

O parágrafo 3o do art. 5o da CF traz apenas a possibilidade de os tratados, além de materialmente constitucionais, serem ainda formalmente constitucionais, ou seja, equivalentes a emendas constitucionais, desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quórum do parágrafo 3o do mesmo art. 5º da CF.

O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-SP, em dezembro de 2008, modificou o seu posicionamento acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. O Supremo entendeu, majoritariamente, que esses tratados, antes equiparados às normas ordinárias federais, apresentam status de norma supralegal, isto é, estão acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição. Tal posicionamento admite a hipótese de tais tratados adquirirem hierarquia constitucional, desde observado o procedimento previsto no parágrafo 3º, artigo 5º da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional no 45/2004.

A partir desse novo entendimento do Supremo, sendo aprovado um tratado internacional de direitos humanos o tratado passa a ter hierarquia superior à lei ordinária (supralegal ou constitucional), ocorrendo a revogação das normas contrárias por antinomia das leis.

Com a nova posição do Supremo a configuração da pirâmide jurídica do ordenamento brasileiro foi modificada: na parte inferior encontra-se a lei; na parte intermediária encontram os tratados de direitos humanos – aprovados sem o quorum qualificado do artigo 5º, parágrafo 3º da CF – e no topo encontra-se a Constituição.

A nova posição do Supremo, apesar de não adotar a tese doutrinária majoritária defendida pelo Ministro Celso de Mello que defende que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos possuem status constitucional independentemente da forma de sua ratificação, representa um grande avanço para o ordenamento jurídico brasileiro que durante vários anos considerou a paridade entre os tratados de direitos humanos e as leis ordinárias.

 

Como vê-se, reveste-se de certa complexidade a questão do posicionamento hierárquico das normas internacionais no direito pátrio. Não obstante, as normas referentes ao Direito à Saúde, como direito humano que são, ou terão status de emenda constitucional, quando aprovados nos termos propostos pela Emenda Constitucional nº 45, ou terão status de supralegalidade.

De qualquer maneira, estarão acima da legislação ordinária, possuindo poder normativo com capacidade de se sobrepor às leis federais, que poderão ser submetidas ao controle de convencionalidade, para que seja verificada a sua compatibilidade com os tratados internacionais.

Portanto, denota-se a importância de se conhecer os dispositivos normativos que tratam sobre o Direito à Saúde no direito internacional, não só para que se tenha ciência dos direitos ali garantidos, mas também para que se possa combater eventual lei que contrarie as determinações ali expressas.

 

 

5. NORMAS INTERNACIONAIS VIGENTES QUANTO AO DIREITO À SAÚDE

 

Pesquisando tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil foi signatário, verifica-se a existência de normas afetas à área do Direito à Saúde em uma diversidade deles, porém, de forma esparsa.

Assim, buscar-se-á fazer uma exposição sucinta dos principais dispositivos legais encontrados, e demonstrar onde estão alocados no direito interno. Com esta soma de informações, pretende-se facilitar o uso das normas pelos profissionais da área.

De início, é preciso citar a Carta das Nações Unidas, que data de 1945, na qual os diversos Estados fundadores da Organização das Nações Unidas estabeleceram seus princípios e objetivos. Embora, em verdade, não tenha criado normas e direitos, prestabeleceu princípios e objetivos daqueles Estados, pavimentando o caminho para a negociação internacional de tratados e convenções que propriamente seriam fonte de direitos.

Na Carta das Nações Unidas, sobre a saúde, lê-se:

 

ARTIGO 13 – 1. A Assembléia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a: [...] b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

 

ARTIGO 55 – Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: [...] b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

 

ARTIGO 56 – Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.

 

Entre os Estados que compunham a Organização das Nações Unidas, percebeu-se a necessidade e conveniência de se criar uma espécie de “subgrupo”, com os Estados americanos, originado com a Carta da Organização dos Estados Americanos (1948), que também faz menção ao Direito à Saúde, inclusive de forma mais específica:

 

Artigo 34

Os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades, a eliminação da pobreza crítica e a distribuição eqüitativa da riqueza e da renda, bem como a plena participação de seus povos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento, são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral. Para alcançá-los convêm, da mesma forma, em dedicar seus maiores esforços à consecução das seguintes metas básicas:

i) Defesa do potencial humano mediante extensão e aplicação dos modernos conhecimentos da ciência médica;

l) Condições urbanas que proporcionem oportunidades de vida sadia, produtiva e digna;

Artigo 45

Os Estados membros, convencidos de que o Homem somente pode alcançar a plena realização de suas aspirações dentro de uma ordem social justa, acompanhada de desenvolvimento econômico e de verdadeira paz, convêm em envidar os seus maiores esforços na aplicação dos seguintes princípios e mecanismos:

b) O trabalho é um direito e um dever social; confere dignidade a quem o realiza e deve ser exercido em condições que, compreendendo um regime de salários justos, assegurem a vida, a saúde e um nível econômico digno ao trabalhador e sua família, tanto durante os anos de atividade como na velhice, ou quando qualquer circunstância o prive da possibilidade de trabalhar;

 

Naquele ano, a Organização dos Estados Americanos aprovou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem:

 

Artigo XI. Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada por medidas sanitárias e sociais relativas à alimentação, roupas, habitação e cuidados médicos correspondentes ao nível permitido pelos recursos públicos e os da coletividade.

 

No mesmo ano, 1948, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos:

 

Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

 

A Assembleia Geral, em 1986, aprovou também a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986):

 

Artigo 8

1. Os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda. Medidas efetivas devem ser tomadas para assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.

 

No ano de 1978, por iniciativa do Brasil, os “países amazônicos”, aqueles que ao menos parte de seu território tem o privilégio de ser composto pela Amazônia, firmaram o Tratado de Cooperação Amazônica, cujo objetivo é “promover o desenvolvimento integral da região e o bem-estar de suas populações, além de reforçar a soberania dos países sobre seus territórios amazônicos” (Ministério das Relações Exteriores). Em seu bojo, estão localizados importantes acordos sobre a saúde:

 

Artigo VIII

As Partes Contratantes decidem promover a coordenação dos atuais serviços de saúde de seus respectivos territórios amazônicos e tomar outras medidas que sejam aconselháveis, com vistas à melhoria das condições sanitárias da região e ao aperfeiçoamento dos métodos tendentes a prevenir e combater as epidemias.

 

Em relação à saúde das crianças, especificamente, houve importante avanço normativo com a ratificação feita pelo Decreto nº 99.710/1990, que determina a execução integral da Convenção sobre os Direitos da Criança, que, dentre outros artigos, trouxe importantes previsões em seu artigo 24:

 

Artigo 3

2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.

 

Artigo 23

1. Os Estados Partes reconhecem que a criança portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade.

2. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, estimularão e assegurarão a prestação da assistência solicitada, que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados.

3. Atendendo às necessidades especiais da criança deficiente, a assistência prestada, conforme disposto no parágrafo 2 do presente artigo, será gratuita sempre que possível, levando-se em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança, e visará a assegurar à criança deficiente o acesso efetivo à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer, de maneira que a criança atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível, inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual.

 

Artigo 24

1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.

2. Os Estados Partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vistas a:

a) reduzir a mortalidade infantil;

b) assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças, dando ênfase aos cuidados básicos de saúde;

c) combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental;

d) assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal;

e) assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, e tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos;

f) desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar.

3. Os Estados Partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança.

4. Os Estados Partes se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional com vistas a lograr, progressivamente, a plena efetivação do direito reconhecido no presente artigo. Nesse sentido, será dada atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento.

 

Artigo 25

Os Estados Partes reconhecem o direito de uma criança que tenha sido internada em um estabelecimento pelas autoridades competentes para fins de atendimento, proteção ou tratamento de saúde física ou mental a um exame periódico de avaliação do tratamento ao qual está sendo submetida e de todos os demais aspectos relativos à sua internação.

 

Passados alguns anos, foi aprovado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil (2000), ratificado no Brasil pelo Decreto nº 5.007/2004:

 

ARTIGO 9º

3. Os Estados Partes adotarão todas as medidas possíveis com o objetivo de assegurar assistência apropriada às vítimas desses delitos, inclusive sua completa reintegração social e sua total recuperação física e psicológica.

 

ARTIGO 10º

2. Os Estados Partes promoverão a cooperação internacional com vistas a prestar assistência às crianças vitimadas em sua recuperação física e psicológica, sua reintegração social e repatriação.

4. Os Estados Partes que estejam em condições de fazê-lo, prestarão assistência financeira, técnica ou de outra natureza por meio de programas multilaterais, regionais, bilaterais ou outros programas existentes.

 

O Brasil, em 1992, promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que havia sido acordado em 1966, por meio do Decreto nº 591/1992:

 

ARTIGO 10

Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que:

3. Devem-se adotar medidas especiais de proteção e de assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição. Devem-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à moral e à saúde ou que lhes façam correr perigo de vida, ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento norma, será punido por lei.

 

ARTIGO 12

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças;

b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;

d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

 

No mesmo ano foi promulgada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica (1969), pelo Decreto 678/1992. Embora o texto original da Convenção não tenha trazido normas expressivas quanto à saúde, em 1998 foi concluído o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, "Protocolo de São Salvador", promulgado pelo Decreto 3.321/1999. Este Protocolo trouxe importantes dispositivos normativos:

 

Artigo 9

Direito à previdência social

1. [...]

2. Quando se tratar de pessoas em atividade, o direito à previdência social abrangerá pelo menos o atendimento médico e o subsídio ou pensão em caso de acidentes de trabalho ou de doença profissional e, quando se tratar da mulher, licença remunerada para a gestante, antes e depois do parto.

 

Artigo 10

Direito à saúde

1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.

2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e, especialmente, a adotar as seguintes medidas para garantir este direito:

a. Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade;

b. Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado;

c. Total imunização contra as principais doenças infecciosas;

d. Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza;

e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos problemas da saúde; e

f. Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis.

 

Artigo 17

Proteção de pessoas idosas

Toda pessoa tem direito à proteção especial na velhice. Nesse sentido, os Estados Partes comprometem-se a adotar de maneira progressiva as medidas necessárias a fim de pôr em prática este direito e, especialmente, a:

a. Proporcionar instalações adequadas, bem como alimentação e assistência médica especializada, às pessoas de idade avançada que careçam delas e não estejam em condições de provê-las por seus próprios meios;

 

Há especial importância nos direitos previstos no Pacto de San José da Costa Rica se for considerada a competência da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (art. 33 do Pacto), que em último caso poderão intervir em eventual descumprimento dos deveres assumidos pelo Estado membro.

Em 1995 o Brasil figurou como um dos signatários da Declaração de Pequim adotada pela quarta conferência sobre as mulheres - ação para igualdade, desenvolvimento e paz, que trouxe importantes compromissos ao país:

 

17. O reconhecimento explícito e a reafirmação do direito de todas as mulheres de controlar todos os aspectos de sua saúde, em particular sua própria fertilidade, é básico para seu fortalecimento;

27. Promover um desenvolvimento sustentado centrado na pessoa, incluindo o crescimento econômico sustentado através da educação básica, educação durante toda a vida, alfabetização e capacitação, e, atenção primária à saúde das meninas e das mulheres;

30. Assegurar a igualdade de acesso e a igualdade de tratamento de mulheres e homens na educação e saúde e promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e sua educação;

 

No mesmo viés, pela garantia dos direitos das mulheres, foi ratificada através do Decreto 4.377/2002 a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979):

 

Artigo 10

Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação e em particular para assegurarem condições de igualdade entre homens e mulheres: [...] h) Acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bem-estar da família, incluída a informação e o assessoramento sobre planejamento da família.

 

Artigo 11

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: [...]   f) O direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.

 

Artigo 12

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento familiar.

2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1o, os Estados-Partes garantirão à mulher assistência apropriadas em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância.

 

Artigo 14

1. Os Estados-Partes levarão em consideração os problemas específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que desempenha na subsistência econômica de sua família, incluído seu trabalho em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à mulher das zonas rurais.

2. Os Estados-Partes adotarão todas as medias apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular as segurar-lhes-ão o direito a: [...] b) Ter acesso a serviços médicos adequados, inclusive informação, aconselhamento e serviços em matéria de planejamento familiar; [...] h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas da habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações.

 

Através do Decreto nº 5.015, de 2004, foi ratificada a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, de 2000. Ato contínuo, com os Decretos nº 5.016 e 5.017 de 2004, foram ratificados o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, Relativo ao combate ao tráfico de migrantes por via terrestre, marítima e área e o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, respectivamente, com as seguintes previsões:

 

Anexo do Decreto nº 5.016/2004 [relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea]

Artigo 16

Medidas de proteção e de assistência

3. Cada Estado Parte concederá uma assistência adequada aos migrantes, cuja vida ou segurança tenham sido postas em perigo pelo fato de terem sido objeto dos atos estabelecidos no Artigo 6 do presente Protocolo.

4. Ao aplicar as disposições do presente Artigo, os Estados Partes terão em conta as necessidades específicas das mulheres e das crianças.

 

Anexo do Decreto nº 5.017/2004 [relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças]

Artigo 6

Assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas

3. Cada Estado Parte terá em consideração a aplicação de medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas, incluindo, se for caso disso, em cooperação com organizações não-governamentais, outras organizações competentes e outros elementos de sociedade civil e, em especial, o fornecimento de:

c) Assistência médica, psicológica e material;

5. Cada Estado Parte envidará esforços para garantir a segurança física das vítimas de tráfico de pessoas enquanto estas se encontrarem no seu território.

 

Mais recentemente, em 2005, na 58ª Assembleia Mundial da Saúde, promovida pela OMS, foi aprovado o Regulamento Sanitário Internacional – RSI com as revisões que entenderam necessárias, documento que foi ratificado e aprovado pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 395/09 (ANVISA, 2009).

O RSI “se destina a evitar a disseminação internacional de doenças, limitando também as restrições desnecessárias ao livre movimento dos viajantes”. Embora não tenha seu foco sobre o direito individual à saúde, constitui importante documento para o resguardo da saúde a nível global, especialmente por seu cuidado em atuações preventivas de surtos e epidemias.

 

6. CONCLUSÃO

 

Percebe-se, assim, que, de fato, há um número considerável de artigos normativos pertinentes à saúde, no direito internacional. Muito embora haja pouco aprofundamento, nestes dispositivos, sobre o direito individual à saúde, é certo que, os profissionais do direito e da saúde, bem como os cidadãos, certamente alcançarão mais solidez em seus discursos, uma vez que os conheçam.

Inegável, ainda, que estas normas ganham extraordinária relevância nos casos específicos, como migrantes, mulheres, crianças ou idosos, que têm o direito garantido em convenções, tratados e protocolos próprios.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Cronologia Histórica da Saúde Pública: Uma Visão Histórica da Saúde Brasileira. Brasília. 2017. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/cronologia-historica-da-saude-publica> Acessado em: 20/10/2018.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Reforma Sanitária. Fundação Oswaldo Cruz. Brasília. Disponível em: < https://pensesus.fiocruz.br/reforma-sanitaria> Acessado em: 25/11/2018.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Regulamento Sanitário Internacional RSI – 2005. 1. ed. Brasília: ANVISA, 2009. Disponível em: < http://portal.anvisa.gov.br/documents/375992/4011173/Regulamento+Sanit%C3%A1rio+Internacional.pdf/42356bf1-8b68-424f-b043-ffe0da5fb7e5> Acesso em 02/12/2018.

 

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Brasília. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/integracao-regional/691-organizacao-do-tratado-de-cooperacao-amazonica-otca>. Acessado em: 25/11/2018.

 

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Organização Mundial da Saúde (OMS). Brasília. Disponível em: <http://delbrasgen.itamaraty.gov.br/pt-br/saude.xml>. Acessado em: 26/10/2018.

 

CARLUCCI, Stéfano Di Cônsolo. A influência do neoconstitucionalismo na Constituição Federal de 1988 e a constitucionalização do Direito Civil no Brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 13, n. 1499. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/4404/a-influencia-neoconstitucionalismo-constituicao-federal-1988-constitucionalizacao-direito-civil-brasil>. Acesso em: 2 de dezembro de 2018.

 

COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

FERREIRA, Clara Fontes et al. Simulação das Nações Unidas para Secundaristas (SINUS). Organização Mundial da Saúde (OMS): Guia de Estudos. Brasília. 2014. Disponível em: <https://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OMS-Guia-Online.pdf>. Acessado em: 18/10/2018.

 

GARCIA, Marcos Leite. O Debate Inicial Sobre os Direitos Fundamentais: Aspectos Destacados da Visão Integral do Conceito.  Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos. Bauru, v.43, n. 50, p. 129-152, jul./dez.2008 in MIGUEL, Amadeu Elves. Direitos humanos e direitos fundamentais: conceito, genese e algumas notas históricas para a contribuição do surgimento dos novos direitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 126, jul 2014. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15028>. Acesso em 06/12/2018.

 

MATTA, Gustavo Corrêa. Políticas de saúde: organização e operacionalização do sistema único de saúde. Organizado por Gustavo Corrêa Matta e Ana Lúcia de Moura Pontes. Rio de Janeiro: EPSJV / Fiocruz, 2007.

 

MIGUEL, Amadeu Elves. Direitos humanos e direitos fundamentais: conceito, genese e algumas notas históricas para a contribuição do surgimento dos novos direitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 126, jul 2014. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15028>. Acesso em 06/12/2018.

 

SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Perguntas freqüentes sobre o Regulamento Sanitário Internacional (2005). Disponível em: < http://www.saude.sp.gov.br/resources/ccd/publicacoes/rsi/documentacoes-sobre-rsi/perguntas_frequentes_sobre_o_regulamento_sanitario_internacional.pdf> Acesso em 02/12/2018.

 

SOARES, Carina de Oliveira. Os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro: análise das relações entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno Estatal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 88, maio 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9431&revista_caderno=16>. Acesso 22/11/2018.


Report publication
    000

    Recomended for you